quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Projeto Invenção do Conto - Gabryella

A Sátira

Meu pesadelo começou.
Eu estava numa rua em uma cidadezinha beira-mar, no meio da madrugada. Havia uma tempestade. O vento e a chuva acoitavam as palmeiras ao longo da calçada. Edifícios de estuque cor-de-rosa e amarelo se enfileiram nas ruas, as janelas fechadas com tábuas. A um quarteirão dali, depois de uma carreira de hibiscos, o mar estava revolto.
Flórida, pensei. Embora eu nunca tivesse certeza de como era isso. Eu nunca estive na Flórida.
Então ouvi cascos chapilhando no calçamento. Virei e vi minha amiga Evinha correndo para salvar sua vida.
Sim, eu disse cascos.
Evinha era sátira. Da cintura pra cima, parece uma adolescente comum e desengonçada, com uma cara de pêssego e um problema sério de acne. Ela caminhava mancando de um jeito estranho, mas jamais se saberá que existe algo de não-humano nela. Jeans folgado e pés falsos disfarçam o fato de que ela tenha cascos e traseiros peludos. Evinha foi a minha melhor amiga da 7ª série, junto com o Vitor tinha me acompanhado naquela aventura para salvar o mundo - uma missão da qual nenhum sátiro jamais voltaria. Evinha estava aterrorizada com algo que vinha atrás dela. Deveria ter acabado de vir da praia. A areia molhada se prendia em trorrões ao seu pêlo. Tinha escapado de algum lugar, estava tentando fugir de alguma coisa.
Um rugido fez os ossos tremerem; atravessou a tempestade atrás da Evinha. Do outro lado do quarteirão, surgiu uma figura sombria, ela derrubou um poste de iluminação com um golpe violento. A lâmpada explodiu em um milhão de pedaços. Evinha cambaleou chorando de medo. Sussurrou para si mesma:
_ Preciso escapar, preciso avisar a todos...
Não pude ver o que a perseguia, mas ouvi a coisa resmungando e praguejando. O chão estremeceu quando ela se aproximou. Evinha se lançou à esquina e vacilou. Tinha entrado em um beco, cheio de lojas, sem saída. Não tinha mais tempo para voltar. As portas mais próximas foram arrombadas pela tempestade. A placa a cima da vitrine escura dizia: “Boutique Nupcial de Santo Agostinho”. Evinha entrou lá e mergulhou atrás de uma arara de vestidos de noiva e nunca mais voltou. Talvez o monstro tenha pegado ela.

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